23 de set. de 2010

Fábula do Molusco

FÁBULA LULÁTICA


Lula, um molusco meio humanizado, assim como é, ao natural, dá azia quando arma seus tentáculos e nos faz deglutir o que consegue nos comunicar. Quando banca o mestre-sala dos mares, ele provoca queimação no estômago de quem não engole nem sapos, nem polvos, nesse país dos calamares. Seus sons, mais que roufenhos e graves, são profundamente ácidaos. Lula é um molusco diferenciado: meio invertebrado, meio humanizado, tem cabeça, tronco e membros. Já os sentidos... Bem, os sentidos, na verdade, são sintomas. São fáceis de diagnosticar:

OLHOS
Seus olhos, avermelhados, empapuçados, quase empapados, não conseguem esconder sua têmpera ambiciosa. Deixam a sensação de que a ambição é o estrume, o adubo de sua glória. O olhar é de visionário: mesmo depois que os outros viram, ele sempre viu primeiro. Os olhos não mudam de cor; sua pele, sim. Jamais, no entanto, fica corada. Não dá para se dizer que tenha visão.

BOCA
A boca libera, à miúde, um sorriso de esperteza; sugere poder como governo... É dali que, dos dentes pra fora, sai arrastado o som que esparge empáfia, soberba, cinismo, hipocrisia, dissimulação, engodo, tudo a um só tempo. Como se precisasse sair daquela toca agora mesmo e emergir em outro trapiche, ou palanque.

Incomoda pelo tom de improviso bem ensaiado que mal disfarça a ameaça sempre iminente. Parece que quanto mais ele ameaça, mais relaxa e goza. Nem se dá conta de que soberba não é orgulho; é inchaço. O som deixa nas ondas, claros sinais de que ele se safou mais uma vez do perigo de morder a própria língua. As consequências seriam fatais. Assim por baixo, pegaria escorbuto.

NARIZ
As narinas sempre apontadas para o próprio umbigo, acabam descobrindo a origem imaginária da esperteza com feitio de sabedoria. Vislumbra em si mesmo a força, como se o poder fosse governo. Nada do que se move em torno dele cheira mal. Tudo lhe cheira bem. De tanto ver a si mesmo, não pode evitar: anda de nariz torcido. Tem olfato de cachoro com focinho molhado.

ORELHAS
Tem duas! Uma para os aplausos; outra para as vaias. As duas, no entanto, servem para evitar todo e qualquer murmúrio, ainda que venham em brados retumbantes, ou em reportagens-flagrantes, a fim de que ninguém possa imaginar que ele seja o causante, a origem do que pode ser um escândalo. No seu reino, desde a onda dos Jogos do Pan, não há mais Maracanã. Circula pelo Mangue que é mais, digamos, o seu habitat.

MÃOS
Não tem mãos a medir. E, no mínimo, nem dedo. Polvo grande não tem braço-direito, como alguns políticos que andam com eles por aí, até que deles precisam se livrar. Braço-direito só serve pra meter a mão. Já no caso do molusco em tela, ele só não tem tato na hora que se irrita. De resto, tudo em que seu cardume toca, vira ouro. É um rei Midas das profundezas do seu reino. Tudo que dá com os tentáculos da esquerda, tira com os que pertencem a sua porção da direita.

Mais que visão, olfato, paladar, audição e pouco tato, o molusco é um fenomeno da natureza: tem cabeça, tronco e membros..

CABEÇA
Boa para tudo que não presta. Ruim para botar chapéu, boné de sindicato, boina verde, casquete, quepe de qualquer Arma, capacete de avoador... Não adianta não cabem. Azar dele, porque não serve pra outra coisa. Tem uma coleção de boinas de vaca e de chapéus de viking, para presentear os companheiros mais chegados. O único modelo que lhe assenta razoavelmente é o Elmo. Tem uma meia dúzia, só para quando serve de escudo ou de armadura na hora de blindar alguém de suas cercanias.

TRONCO
É de gigante. Num corpo de Nelson Ned. Serve para estofar. E inflar. Mas, não é aquela digamos Brastempo na hora de causar a primeira impressão. Pela estatura, não raro, consegue achar insólitas as pessoas comuns ou não-comuns que são mais baixas do que ele. Confia cegamente no conceito de que seja lá qual for a aparência, o molusco - assim como o homem - pode sempre dissimular seus defeitos sob uma aparência cinicamente respeitável.

MEMBROS
Epa! São todos erectos. E virís. Os membros do Palácio estão tesos e coesos; os membros do Congresso Nacional, mais flácidos do que devem; os membros dos poderes sofrem infiltrações; os membros do partido estão sempre prontos para o que der e vier. Os membros dessa espécie de lula são tentáculos que envolvem o que e quem andar ao seu redor. Na verdade, seus membros não tem pé nem cabeça; jamais serão da Academia Brasileira de Letras. Quer dizer, como sempre há um pé torto para um chinelo velho, quem nos dirá que um dia - nesses quatro anos de desemprego por aí - ele não sentará ao lado de um Marimbondo de Fogo...