Volta e meia, viajo à margem direita - de quem olha - aqui do Liberdade de Expressão e me reencontro com o que Ivo Patarra nos conta em seu livro ainda não-editado "O Chefe", sobre o que há de mais reles e calhorda na história brasileira contemporânea.
Hoje, 1° de Abril de 2005... Daqui a exatamente trinta dias, vai estourar o escândalo do mensalão. Nesse meio tempo, o Supremo Tribunal Federal vai abrir inquérito criminal para investigar mais um ministro de Lula: Romero Jucá, do partido da carona em Roraima.
Os arautos do passado anunciam que recairá sobre ele a suspeita de fazer uso irregular de empréstimos do Basa - Banco da Amazônia, em favor de um frigorífico de sua propriedade. Dizem que mesmo recebendo dinheiro para fazer a Frangonorte cantar de galo, Jucá não fez o negócio funcionar. O mais pesado dessa mala sem alça é que os empréstimos teriam chegado a seu bolso mediante fraude, robustecidos pela garantia de sete fazendas que - vejam só! - não existiriam.
E assim se passaram cinco anos de impunidade absoluta. Daqui em diante vamos ao relato direto de Ivo Patarra:
Lula decidira nomear Romero Jucá, apesar das denúncias que pesavam sobre ele: além do empréstimo bancário que escancarara propriedades rurais fantasmas, havia acusações de desvio de verbas públicas, compra de votos, transações suspeitas com emissoras de rádio e televisão em nome de laranjas e até a contratação ilegal de empresas de limpeza em Boa Vista.
A capital de Roraima era administrada pela prefeita Teresa Jucá, mulher de Romero Jucá. As empresas investigadas fraudariam o peso do lixo para aumentar o faturamento. O Ministério Público descobriu até o caso de um cachorro morto, recolhido pelo serviço de coleta de lixo de Boa Vista. Pesava 400 quilos...
Romero Jucá não se sustentou no cargo. Deixou de ser ministro, mas voltou forte no segundo mandato de Lula como líder do governo no Senado. Enrolou-se novamente. No final de 2007, a Polícia Federal deflagrou a Operação Metástase, a fim de debelar um esquema de fraudes na Funasa (Fundação Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde).
Entre os mais de 30 presos, acusados de desviar R$ 34 milhões, estava o coordenador da Funasa em Roraima, ex-deputado Ramiro José Teixeira. Ele fora nomeado para chefiar o órgão por indicação de Jucá, dois anos antes. De acordo com as investigações, era o líder do esquema de corrupção.
A Funasa deveria cuidar de saneamento básico e da assistência à saúde de populações indígenas. As fraudes tinham origem em verbas federais provenientes de emendas parlamentares da bancada de Roraima no Congresso.
Romero Jucá destinou R$ 10,5 milhões em emendas à Funasa de Roraima em 2007. Os desvios ocorreriam na compra de remédios, contratos de saneamento básico e de transporte aéreo para atendimento médico. Lula não deu demonstrações de se importar. Manteve o seu líder de governo no Senado.
Em dezembro de 2007, Romero Jucá foi formalmente denunciado ao STF (Supremo Tribunal Federal) pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. O líder de Lula teria obtido, de forma fraudulenta, empréstimo de R$ 3,1 milhões junto ao Basa (Banco da Amazônia), em 1996.
O dinheiro deveria ter viabilizado o tal abatedouro. Entre as acusações a Jucá, desvio de parte dos recursos da operação de crédito destinada à Frangonorte e problemas com as propriedades inexistentes, relacionadas como garantia.
Duro para Lula, porém, foi perder ainda no primeiro mandato, em 2005 e 2006, o "núcleo duro" do governo formado pelos ministros mais próximos: José Dirceu (PT-SP), da Casa Civil, braço-direito e capitão do time; Antonio Palocci (PT-SP), que deu estabilidade à economia ao garantir a manutenção das regras do jogo e acalmar os mercados; e Luiz Gushiken (PT-SP), da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, responsável pelo setor de publicidade, justamente o mais exposto pelo escândalo do mensalão, graças ao envolvimento de Marcos Valério, dono de agências de propaganda. Gushiken também tinha ascendência junto aos poderosos fundos de pensão, envolvidos em operações suspeitas que somavam dezenas de milhões de reais.
Dissecamos aqui o envolvimento de Dirceu com o esquema de corrupção. O nome dele aparece em praticamente todos os arranjos e tramas com dinheiro de caixa 2. Sua imagem começou a ser desfazer com o caso Waldomiro Diniz. Dirceu não teve saída. Foi obrigado a abrir mão de seu braço-direito na Casa Civil, pois uma fita mostrava Diniz pedindo propina a um empresário do jogo.
O esquema de Dirceu foi sempre muito pesado. Passavam por ele todas as decisões importantes que envolviam interesses do PT, bem como a estratégia e os métodos adotados para obter apoio da base aliada no Congresso. Onipresente, Dirceu teria sido receptor de dinheiro desviado de Santo André (SP) nos tempos de Celso Daniel (PT), por exemplo, ao mesmo tempo em que salvava a pátria ao levar pessoalmente mala de dinheiro a Londrina (PR) a fim de irrigar as finanças combalidas de uma campanha eleitoral do PT.
Os tentáculos de Dirceu estavam por todos os lugares. Se jogadas que poderiam representar dezenas de milhões de dólares, como o acerto perseguido pelo PT junto ao grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, transitavam sob seus domínios, coisas menores não eram menosprezadas.
Em Campina Grande (PB), por exemplo, cidade pobre do sertão semi-árido, um arranjo teria levado a administração municipal do PT a entregar "mesada" de R$ 600 mil a Marcelo Sereno, outro importante assessor de Dirceu na Casa Civil. Um depoimento obtido pelo Ministério Público indicaria que a "mesada" acabaria mesmo com Dirceu, para o uso que achasse conveniente.
Cabe relatar o ocorrido em Mauá (SP), cidade vizinha a Santo André na Grande São Paulo, durante a administração do prefeito Oswaldo Dias (PT). Na época, Dirceu era presidente nacional do PT. O nome dele foi mencionado num relato sobre corrupção feito pelo ex-secretário municipal de Habitação, Altivo Ovando Júnior, que concedeu entrevista ao repórter Rodrigo Pereira, do jornal O Estado de S. Paulo, em maio de 2006:
- O ex-ministro José Dirceu esteve no gabinete do ex-prefeito de Mauá Oswaldo Dias, no período em que o senhor foi secretário?
- Ele foi várias vezes ao gabinete do prefeito. Teve vários encontros, era comum comparecer lá.
- O senhor presenciou essas conversas? Ele falava sobre arrecadação de dinheiro para o PT?
- Ele comentava abertamente que era obrigatório ter esquema de arrecadação de dinheiro, que todo município petista participava. Os esquemas de arrecadação eram obrigatórios em todas as cidades.
- Envolvia o quê? Contratos de ônibus, de lixo?
- Eu não gerenciava, nunca gerenciei. Mas com lixo e construtoras era em todas as prefeituras. Era aberto, todo mundo sabia que envolvia construtoras, contratos de lixo, essas coisas. Hoje isso está público, todo mundo conhece. Mas eles sempre fizeram, sempre existiu essa indústria de arrecadar dinheiro.
Trecho do inquérito enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal) pelos promotores Amaro Thomé, Roberto Wider e Adriana Soares de Morais:
"José Dirceu, que se auto-intitulava paradigma da ética e da probidade, hoje figura como denunciado porque seria o idealizador e principal articulador de um mega-esquema de corrupção, que teve como um dos laboratórios, justamente, a cidade de Santo André."
Vale registrar o depoimento de Ruy Vicentini, tesoureiro do PPS paulistano. Ele relatou ao Ministério Público, em julho de 2005, um esquema de entrega de dinheiro a vereadores durante o mandato da prefeita Marta Suplicy (PT) em São Paulo (2001-2004). O objetivo era garantir maioria parlamentar ao governo petista na Câmara Municipal. Ruy Vicentini mencionou Mario César Aga, chefe da Assessoria Parlamentar da Secretaria de Governo:
- Mario Aga falava que o esquema na Câmara Municipal era de grana e que não tinha mais jeito de outra negociação. Se a Prefeitura quisesse parar alguma investigação sobre a administração era na base do dinheiro, e que cada votação tinha um valor.
Em sua acusação, Ruy Vicentini citou os secretários municipais Rui Falcão, Carlos Zarattini e Valdemir Garreta, todos do PT:
- O secretário de Governo de dona Marta, Rui Falcão, organizou, a partir de seu gabinete, o caixa único. O Zarattini e o Garreta arrecadavam o dinheiro dos empresários de ônibus e do lixo, e o que sobrava era enviado para o gabinete do José Dirceu.
Após ser afastado do Ministério da Casa Civil e ter o mandato de deputado federal cassado em 2005, Dirceu continuou forte, dando as cartas no PT e, em grande medida, influenciando o governo Lula, inclusive no segundo mandato.
Daqui para diante, o Liberdade de Expressão deixa que sua curiosidade o conduza a um leve clique no link ao lado : O Chefe, de Ivo Patarra. Você vai ver o que é fazer um passeio sobre a história que constróem sob o título de Movimento Construindo um Novo Brasil.