5 de mar. de 2010

Diagnóstico do Mal de Arruda

A corrupção dos governos começa sempre pelas suas normas e seus princípios. Isso se pode ver hoje com toda a nitidez, mas foi percebido há muito tempo por Montesquieu, na sua obra O Espírito das Leis.

O que se sabe agora é que não há pior tirania do que aquelas que são pintadas, com a liberdade que a democracia permite, no cavalete das próprias leis, coloridas pelos pincéis do que parece justiça.

E, na verdade, nem é de governo que se está falando. Fala-se aqui de soberba, de poder. Simples assim: o poder de um governo não é senão o poder daqueles que se deixam governar. O brasileiro está se rendendo a muito mais que isso: permite que seus governos governem em demasia.

José Roberto Arruda de tal forma exerceu o poder de governar que acreditou que governaria melhor e para sempre, se aproveitando dos vícios e desprezando as virtudes.

Hoje, Arruda sabe quanto é maldita a ambição pelo poder. Aprende, sem o sol da liberdade, que o segredo do poder consiste em saber que aqueles em quem mandava, com a soberba e o jeito de quem governava, eram ainda mais frágeis e covardes do que ele mesmo.

Nem sempre o poder é temido, quando o poderoso é mais temido do que amado. Seus seguidores de canina fidelidade já não o consideram bastante forte e poderoso para ser seu amo e senhor.

Arruda é um Sansão que não precisou de uma Dalila para cortar seus cabelos. Nunca esteve cercado de servos, nem de servidores, eram todos servis.

E de que mal padece hoje José Roberto Arruda? De tudo um pouco e muito mais.

Sofre de solidão, de abandono, de fraqueza, de debilidade, de humilhação, de desonra, desilusão, desprezo, desengano, infelicidade, decadência. É um desterrado em sua terra.

E foi o poder que levou Arruda à desgraça. Ele tem um Haiti dentro do peito. Desmoronou. Mas, pode reagir. Talvez ainda tenha força e poder interior para tanto. E do Porto Príncipe que carrega quem sabe chegará a uma Santiago do Chile em uma nova Concepción.

Arruda é a mais perfeita tradução do mal dos podres poderes de um governo que acaba de sofrer um abalo sísmico de todos os graus na escala moral, social e política.

Ele sabe agora, talvez tarde demais, que poder é coisa dos homens. Os bichos têm força. Nós, bípedes que governamos e somos governados – como cantava Gonzaguinha - não somos bichos, não somos animais; somos piores. Somos humanos.

A um primeiro diagnóstico Arruda é agora um fervoroso temente a Deus e às bestas do seu triste mundo político. Isso é sintoma de abandono, solidão;

Aparenta qualquer coisa, menos ternura. Sente-se mais inclinado a matar uma mosca do que a enfrentar um leão. Isso é debilidade, fraqueza;

Percebe com clareza que a soberba lhe ensinou com suas lições errôneas que, para ser bom, tinha que ser desonrado, às vezes. Nítido acometimento de despersonalização;

Já sabe que nenhuma de suas lágrimas terá o dom de resgatar o mundo que ele desperdiçou transformando em pesadelos os sonhos de quem o consagrava. Um caso de profunda desilusão;

Como a muitos desprezou, a todos se fez desagradável. Hoje é uma peça menor isolada numa pequena peça. Padece de desprezo;

E mais que de abandono, ele é paciente de uma dura e vingativa face da justiça: seus algozes acostumados a oferecer aos amigos a lei, hoje lhe aplicam os rigores da lei.

O que mais dói num poço de adversidades é o infeliz saber que um dia foi feliz. Ele sente o mal da infelicidade na alma e na própria carne.

José Roberto Arruda, decaído do poder de governar, amarga num cubículo refrigerado e com janelas basculantes para o olho da rua que o espreita, a decadência que começou há muito tempo: desde o momento em que a sua ganância pelo poder foi maior do que o seu fascínio pelo irrefreável desejo de governar. Arruda quis governar demais.

Nesse quadro clínico de infelicidade, Arruda é vítima de uma hecatombe que soterrou Brasília, a capital da República dos Calamares. Não morreu, mas não chega a ser um sobrevivente.

E, assim desse jeito, sem jeito, sua existência política será eterna. O mal da soberba que gera todos os seus sintomas é incurável. Com ou sem banho de sol. Arruda é um político terminal.